O apelo de fazer ação de preço no varejo é grande. Mas esta não pode ser a tábua de salvação dos negócios.
A situação econômica provocou uma dança enlouquecida em planos, planejamentos e sustos momentâneos nas empresas. Dilemas que se avolumam no horizonte para análises e cenários que nem sempre se realizam. Um dos maiores dilemas tem relação direta com os preços dos produtos.
A pandemia provocou movimentos contraditórios de consumo. Com fechamento de uma série de setores houve o crescimento de operações digitais. Plataformas de vendas ganharam clientes e empresas colheram os frutos desta mobilidade. No primeiro ano, com a redução de consumo em lazer e alimentação fora de casa, houve renda disponível para investir em outros bens. Some-se a isso o auxílio emergencial.
Se este movimento provocou o consumo, também introduziu algumas novidades. As incertezas fizeram o dólar aumentar. Em janeiro de 2020 estava em R$ 4,29 e hoje está ao redor de R$ 5,60. O impacto sobre custos foi brutal. O Índice de Preços do Atacado, que mede a inflação na indústria, bateu em cerca de 42%.
Nos doze meses de pandemia a inflação dos alimentos chegou a 15%, sem isolar casos como os do óleo e arroz, que subiram 87% e 69% respectivamente. O custo de vida, aquele que está no dia a dia, subiu mais do que o índice de inflação que ficou em 5,2% no mesmo período (com a divulgação dos dados de março a inflação no período subiu para 6,1%). A panaceia de números e índices ganhou um novo componente: a confiança do consumidor.
A percepção da sociedade é de que o horizonte mais próximo traz de dificuldades, com o nível de emprego caindo e aumentando o descompasso entre renda e despesas. Isso faz com cresça a desconfiança. O mercado tem humor e ele não vai bem. Uma recente pesquisa divulgada pela Febraban mostra 74% dos entrevistados dizendo que a pandemia está piorando. Outra pesquisa da mesma entidade cita que para 74% dos entrevistados o desemprego vai aumentar e para 64% o poder de compra vai diminuir.
No quadro um tanto desolador, o dilema do varejo é avaliar a elasticidade de preço, a relação direta com o fluxo nas lojas e o ticket médio. O da indústria é avaliar o repasse dos custos para o preço para manter ou mesmo sustentar alguma margem. São dois elos da mesma corrente.
O varejo quer remunerar o estoque. Se existe ameaça de queda de vendas é preciso transformar as mercadorias em dinheiro. O problema é que, com o consumidor perdendo poder de compra e ressabiado com a situação, o fio tênue do negócio e da irresponsabilidade se acentua. O preço será um embate maior nos próximos meses. Porém, com o risco de redução de consumo, vender menos por um preço inferior é uma equação com resultado que oscila entre o ruim e o péssimo. Pressionar a indústria por menores preços e promover para o consumidor pode alavancar algumas categorias. Mas não deve ser uma política generalizada. Premiar a fidelidade, estratégias de fluxo por categoria, datas de oportunidade, geração de servi&ccedi l;os diferenciados e outras iniciativas devem estar no radar constante. Em todas elas deve-se envolver a indústria. Todos são responsáveis pelo sell out.
Para a indústria é preciso avaliar corretamente o mix. Quais produtos sustentam a margem e suportam alguma elasticidade de preço? Os produtos que perderam o giro e não têm perspectiva de recuperação representam dinheiro em casa. Use-os para promover os produtos com margem. Negocie. Reduzir o mix, em grande parte dos casos, reduz a complexidade da operação e os custos. Olhe sem paixão. Avalie a margem média do pedido. Os produtos que merecem ficar no mix devem ter uma finalidade bem clara. Alguns sustentam a distribuição e formam carga para a logística. Outros contribuem com a rentabilidade. Invista no relacionamento com o varejo. Crie e participe de promoções conjuntas. Manter o fluxo no varejo é manter a expectativa de vendas. Pense que cada pessoa que entra numa loja tem que comprar algum produto de sua marca.
Há sempre a tentação da redução na qualidade. O tema vale ao menos duas lembranças. Qualidade é um termo genérico. Deve-se sempre incorporar a percepção. Qual a qualidade percebida pelo consumidor? Ela é a determinante. Perder esta qualidade trará prejuízos. Sem dinheiro o consumidor não pode errar na compra ou se decepcionar com o produto. A qualidade para o consumidor é fundamental. Outra lembrança é que qualidade deve ser transformada em vantagem competitiva e ser percebida como exclusiva. Pense no posicionamento e nas estratégias de promoção. Pode ser no ponto de venda, na mídia ou nas redes sociais. Diga qual qualidade percebida de seu produto sustenta o preço que a cadeia precisa. E como ela auxilia no giro.
Tenha uma certeza. O mundo vai sair diferente – menos do que a maioria fala, desta pandemia. Hábitos serão incorporados e outros serão perdidos. No Plano Real o consumo de produtos para higiene bucal no Brasil disparou. A grande maioria dos itens foi incorporada ao cotidiano. O hábito se consolidou. Lavar as mãos, sapatos na porta da casa e higiene pessoal tendem a se consolidar no comportamento. Os mais velhos incorporaram o contato usando plataformas digitais. Vão manter pois o maravilhamento pelo uso da tecnologia rejuvenesce. Mas o happy hour virtual tem poucas chances, exceto em casos de muita distância e com um grau de envolvimento elevado.
Depois de muito tempo cozinhando muitos jovens compreenderão o valor dos alimentos e o custo da alimentação fora do lar. Os encontros em casa tendem a aumentar. As saídas podem ser mais comedidas e mais específicas. Conviver mais nos bares será mais intenso do que jantar nos restaurantes. Os aplicativos de relacionamento vão explodir. Depois de ficar isolados os solteiros estão ávidos por contato humano além do bom dia. O tempo vai mostrar.
Pequenas ações neste momento, as mais corriqueiras, podem valer muito. E ainda vão contribuir para que profissionais absorvam conhecimento e insumos para o futuro. A tática vai influenciar a estratégia promovendo aprendizados.
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